A exposição “Quem tem medo de Teresinha Soares?”, que esteve a mostra no MASP até o dia 6 de agosto, trouxe à luz grande parte das obras de uma artista muito destacada durante os anos 1960 e 1970, mas quase esquecida nos dias de hoje. Teresinha Soares, nascida em Araxá, Minas Gerais, em 1937, realizou toda sua produção artística entre os anos de 1966 e 1973; exposto no MASP está um panorama de sua obra, com o tríptico Orquestrando o amor, Partilha de bens e A ordem dos fatores (1967), as séries Um homem e uma mulher (1967), Acontecências (1967) e Homenagem a Caetano Veloso (1968), o álbum de serigrafias Eurótica (1970), em conjunto com a instalação Corpo a corpo in cor-pus meus (1970), e as obras Um-dois feijão com arroz, três-quatro farinha no prato, cinco-seis sal, sol e areia (Bandejas) (1971), Procissão do encontro (1970) e Caixa de fazer amor (1967). O nome da exposição deriva do da peça “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, buscando questionar, assim como o título da peça fazia, a quem incomoda a produção artística de Teresinha e porquê. Com a temática do corpo feminino e da sexualidade da mulher sempre muito proeminentes em seu trabalho, a arte de Teresinha Soares é erótica, colorida, psicodélica e extremamente crítica, não sendo difícil imaginar o motivo do impacto causado quando foi exposta pelas primeiras vezes, durante o conservador período da Ditadura Militar.
Entre as “obras objeto”, algumas das que mais chamam a atenção com certeza são Caixa de fazer amor (1967) e Um-dois feijão com arroz, três-quatro farinha no prato, cinco-seis sal, sol e areia (Bandejas) (1971), duas obras com propostas bastante distintas. A primeira, feita de madeira, tinta plástica, metal, plástico e tecido, traz uma caixa, aberta na frente, em que se vê um emaranhado de fios, um coração de pelúcia, conectado aos fios e saindo da caixa através de um funil, uma manivela que possibilitaria o movimento da obra e duas figuras humanas, na parte superior, que, quando unidas, formariam um coração. A obra representa o processo de fusão que ocorre entre duas pessoas através do sexo, mostrando que, apesar de serem dois seres distintos, podem juntar-se, serem “moídos” e transformarem-se em um só, estágio final representado pelo coração de pelúcia.
Já a obra Um-dois feijão com arroz, três-quatro farinha no prato, cinco-seis sal, sol e areia (Bandejas), composta por alimentos, figuras femininas recortadas em madeira e palavras em latim, fez parte de uma performance de Soares em 1971: as bandejas da obra eram seguradas por garçons; em algumas delas, amendoins eram servidos aos convidados da exposição e pontinhos ciscavam nas bandejas de fubá. A obra, principalmente nessa montagem original, buscava trazer a ideia da mulher tendo seu corpo oferecido como objeto de desejo, trazendo elementos que fazem parte do universo feminino tradicional, como a preparação de alimentos, simbolizada nos grãos, e a maternidade, simbolizada nos pintinhos. Entre as serigrafias e óleos sobre tela, técnicas utilizadas na maior parte das obras expostas, destacam-se, respectivamente, as obras Ele e ela (1968), parte da série Homenagem a Caetano Veloso, e Sem Título (Ciúme de você) (1966), parte da série Acontecências. Ele e ela traz a frente a temática da sexualidade, em uma mistura de partes corporais femininas e masculinas que se tocam e complementam, tudo isso com cores fortes, que remetem à Pop Art e traços arredondados, que retomam a arte antropofágica de Tarsila do Amaral, trazendo sensualidade e erotismo envoltos em uma não tão sutil camada de violência.O tema da violência, assim como o estilo derivado da Pop Art, são retomados na obra Sem Título (Ciúme de você), em que uma figura feminina aponta uma arma para outra figura feminina e para uma figura de gênero inespecífico. As cores são menos vívidas do que em Ele e ela, mas também muito fortes e marcantes, seu tom mais escuro acentuando a atmosfera de violência e dramaticidade criada pela situação representada.
Por fim, as obras do álbum de serigrafias Eurótica ganham grande importância, tendo uma parede reservada apenas para si. O nome do álbum deriva de uma junção das palavras “eu” e “erótica” e expostos junto às serigrafias que representam corpos humanos e animais envolvidos em diversas atividades sexuais, estão uma crítica da obra de Soares, por Frederico Morais, e dois poemas de autoria da própria Teresinha, um mais curto e outro mais comprido. Todos os elementos, inclusive a crítica e os poemas, têm o sexo como centro, mais especificamente, o sexo da perspectiva feminina e como ferramenta de questionamento da arte e da própria sociedade ali retratada. Com tons de terra, essa obra evoca uma relação entre sensualidade e natureza, que é ressaltada com as figuras de um cavalo e de uma árvore, conjurando uma a atmosfera facilmente conectada ao arquétipo da “Mãe Terra”, que liga o feminino à natureza. Em complemento a Eurótica,está a exposta também a instalação Corpo a corpo in cor-pus meus, que, quando originalmente apresentada, convidava o público a sobrepor seus corpos aos representados na escultura, e, em apresentações posteriores, ornado com bailarinas e projeções de luz, dava palco à declamação de um poema por Teresinha Soares. Em ambas as montagens, procurava se trazer a frente tanto a questão do prazer quanto a do sofrimento, conceitos que deram origem ao termo “cor-pus” do título, uma junção de corpo e pus, prazer e dor.
Rebecca Gompertz
O texto foi escrito e entregue como trabalho final para a disciplina de leitura e produção textual, lecionada pelo professor Vitor Blotta para os alunos do primeiro semestre de jornalismo da ECA-USP. O texto não foi editado.